domingo, 12 de julho de 2009

RELATO DA 2ª OFICINA

A segunda oficina foi realizada no dia 23 de maio de 2009. Neste dia, realizamos estudo das Unidades 9 e 10 do Caderno de Teoria e Prática 3 e fomos orientadas pela professora formadora Daiana Hatmann sobre todas as atividades práticas que teremos que desenvolver com os alunos. Foi um encontro muito proveitoso, que nos motivou a aprofundarmos os estudos sobre Gêneros Textuais e aplicarmos os Avançando na prática das unidades 9 e 10 com os alunos. Além disso, assistimos ao filme “Narradores de Javé” e procuramos refletir a respeito do mesmo. Ironicamente, Biá, que havia sido expulso da cidade por inventar fofocas escritas sobre os moradores, é o escolhido para escrever o "livro da salvação", como eles mesmos chamam. O artifício de "florear" e inventar fatos locais já era usado pela personagem para aumentar a circulação de cartas, obviamente escassas no povoado, e manter em funcionamento a agência de correio onde ele trabalha. Escrever a história de Javé e salvá-la do afogamento é sua oportunidade de se redimir. E a redenção parece ter que se dar justamente aflorando seu lado mais condenável. "Bendita Geni", pois é justamente a capacidade de Biá de aumentar as histórias que traz à tona o papel do historiador interferindo na História, reunindo relatos, selecionando-os, conectando-os de forma compreensível. É uma narrativa que vai possibilitar trabalhar vários temas com os alunos como: o gênero textual filme, a oralidade e a escrita, a história oral, a oficial, sua cientificidade, o limiar com a literatura, a estrutura narrativa, diferentes suportes para a História, diferentes olhares e intercâmbios, dentre outros.

Análise do Filme “Narradores de Javé”

O filme “Narradores de Javé” retrata a mobilização de um povoado para impedir a inundação do Vale do Javé. Intento este, que já nasce praticamente fadado ao insucesso, mas se mantém vivo na esperança da população, que decide provar que Javé deveria ser tombada como patrimônio histórico. Para tanto, recorrem a Antônio Biá, o qual desempenha o papel de escriba, escrevendo as histórias dos moradores do povoado. O escriba desempenha um papel de destaque na comunidade, uma vez que era o único que sabia ler e escrever. Para as pessoas do lugar o texto escrito tinha um valor quase documental.
Pode-se observar no filme a dificuldade de transpor a oralidade para escrita, pois a língua falada segue regras próprias, tem uma maior frouxidão em relação à língua escrita. Isso fica evidente em uma das falas do protagonista da história “Quanto às histórias é melhor ficar na boca do povo, porque na escrita não há mão que lhe dê razão”. No entanto, considerando-se o pressuposto do dialogismo na linguagem e da polifonia do texto (Bakhtin, 1988), a oralidade e a escrita não deveriam ser vistas apenas sob a perspectiva das diferenças, mas também das semelhanças e de características partilhadas.
Com relação às qualidades intrínsecas da escrita, observa-se que o indivíduo de posse da mesma, pode-se dedicar ou recorrer às suas faculdades mentais no exercício de operações mais arbitrárias, superiores. Enquanto que a fala, segundo Ong (1982, apud: Kleiman, 1995), é mais restritiva: “nas culturas orais, a restrição das palavras ao sonoro determina não só os modos de expressão, mas também processos mentais” (p.31).
Embora as pessoas não sejam alfabetizadas percebe-se a presença das práticas de letramento ao relatarem suas histórias. Mesmo não sabendo fazer uso da escrita procuram ajudar Antônio Biá a elaborar o dossiê. Neste caso, letramento, como define Scribner e Cole (1981, apud; Kleiman, 1995), seria um “conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”(p.19).
Na sala de aula, muitas vezes o professor exerce o papel de escriba ao fazer a correção de atividades, quando os alunos têm uma noção das informações que deveriam compor certa resposta, mas sentem dificuldade em organizar essas informações na escrita e pedem ajuda ao professor. Há momentos também de produção de textos coletivos, durante os quais o professor vai registrando as idéias dos alunos no quadro, prática esta muito presente nas primeiras séries do Ensino Fundamental.
O escriba tem uma importância significativa no processo de construção de leitura e da escrita, uma vez que o ser humano é um sujeito social e a aprendizagem acontece mediatizada pelo contexto sócio-cultural no qual ele esteja inserido, de acordo com Vygostky (1988). Assim, em comunidades que a escrita não desempenha um papel fundamental, ou seja, os eventos e práticas de letramento não têm um papel significativo na comunidade da qual os alunos provêm, o trabalho de obtenção de informações em textos escritos constitui-se normalmente num problema, pois o texto escrito não é visto pelos alunos como o principal mediador da aprendizagem. Diferentemente, dos alunos que por suas práticas sociais estão em contado direto com diferentes situações em que a escrita desempenha um papel significativo.
Analisando a função social da escrita no filme “Narradores de Javé”, pode-se perceber que esta se tornou relevante no momento em que as pessoas tinham um objetivo específico para o qual precisavam dela, mas que suas práticas cotidianas evidenciam apenas a oralidade.
Observando as ações do protagonista da história percebe-se que este, por estar exercendo o papel de escriba junto à comunidade, sente-se investido de poder em relação aos demais. É respeitado, não pelo que é, tanto que por seus atos tinha sido expulso da comunidade, mas por saber fazer uso da escrita consegue reaver o respeito e a confiança das pessoas.

Um comentário:

  1. Lu, a tua análise do filme está maravilhosa...coerente, consistente e con fundamentação teórica.

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