domingo, 27 de dezembro de 2009

Concepções de gramática

De todas as escolas filosóficas gregas, foi a dos estóicos que deu maior atenção à língua. Deve-se a eles o reconhecimento de um domínio separado de estudos lingüísticos dentro do vasto campo da filosofia. Os estóicos trataram de modo separado a fonética, a gramática e a etimologia, dedicando-lhes considerável atenção. Sua notável contribuição deu-se no campo da gramática, domínio em que se pode acompanhar as várias etapas de um desenvolvimento progressivo da teoria e da terminologia (cf. ROBINS,1983).
O trabalho dos gramáticos estóicos teve continuidade com os alexandrinos, que diferentemente da maioria estóicos, eram analogistas e a investigação das regularidades da língua levou-os a estabelecer “cânones” ou paradigmas, de flexão. Foi em Alexandria que se decodificou, mais ou menos definitivamente, o que hoje se chama gramática tradicional do grego.
Se na época helenística, tinha-se apenas uma disciplina gramatical voltada ao exame dos textos escritos, a qual se constituía num instrumento de cultivo e preservação de valores, para permitir a memória das obras que representavam a criação do espírito grego, com Dionísio, o Trácio, teve-se, no fim do séc. II a.C., a primeira descrição gramatical ampla e sistemática publicada no mundo ocidental.
Dionísio, em sua definição, afirmava que a gramática é prática, não especulativa, que ela não é uma disciplina filosófica, tendo em vista que ela nasce justamente porque se estipulam domínios autônomos com limites precisos, fixando-se, no entanto, num domínio totalmente lingüístico. Além das quatro partes do discurso reconhecidas pelos estóicos, Dionísio acrescentou, o advérbio, o particípio, o pronome e a preposição. Classificando todas as palavras gregas segundo as categorias de caso, gênero, número, voz e modo. A sintaxe, que não se constituía na principal preocupação de Dionísio, foi analisada somente três séculos mais tarde por Apolônio Díscolo, todavia com menos sistematicidade.
Apolônio Díscolo (séc. II A. D) e seu filho Herodiano foram os gramáticos de maior projeção na época dos imperadores romanos. Díscolo representa o ponto culminante da sabedoria gramatical da Antigüidade, suas preocupações estavam voltadas para questões de lógica e de exatidão gramatical. Seus estudos baseavam-se na observação dos fatos, buscando princípios e regras a partir da pluralidade de exemplos.
Segundo Lyons (1979) e Robins (1983), a gramática latina fundamentou-se nos moldes da gramática grega, influência essa que pode ser observada em todas as esferas da cultura romana. Desde o séc. II a.C., em alguns casos, a aristocracia romana adotou com entusiasmo a cultura e os métodos gregos de educação. Assim, no que diz respeito aos estudos gramaticais, não poderia ser diferente: “Os gramáticos romanos seguiram os modelos gregos não apenas nas suas doutrinas gerais acerca da língua, mas também em questões de detalhe” (LYONS, 1979, p. 13).
Os principais gramáticos latinos foram Donato (c. 400 A.D) e Prisciano (c. 500 A. D), os quais elaboraram gramáticas que serviram de manuais de ensino durante a Idade Média e até mais tarde, no séc. XVII. Eles, porém, descreviam não a língua do seu tempo, mas a língua dos “melhores escritores” tais como Cícero e Virgílio, perpetuando com isso o que Lyons chama de “erro clássico” na abordagem da descrição lingüística.
A Idade Média pode ser comparada a uma ponte estabelecida entre o período grego e romano e o mundo moderno. Durante esse período, compreendido entre o séc. XII e o séc. XV, o latim deixa de ser apenas a língua da liturgia e das Escrituras, para tornar-se a língua universal da diplomacia, da erudição e da cultura.
No séc. XII houve um avanço cultural significativo em todos os ramos. Trata-se do período das grandes escolásticas, cujos interesses estavam voltados à língua como instrumento para analisar a estrutura da realidade. Esse fato justifica a máxima importância que os escolásticos davam à questão do significado ou da “significação”, na tentativa de derivar as categorias gramaticais das categorias da lógica.
Segundo Lyons (1979, p. 15), a gramática científica ou “especulativa” produzida nessa época tinha como tarefa descobrir os princípios pelos quais a palavra, como um signo, relacionava-se, de um lado, à inteligência humana e, de outro, aquilo que ela representava ou “significava”. De antemão, presumiu-se que esses princípios eram constantes e universais, e que a gramática era, portanto, uma teoria filosófica das partes do discurso e dos seus “modos de significação” característicos. O que é questionável, como a hipótese de que todas as línguas têm palavras para expressar os mesmos conceitos e todas as línguas apresentam as mesmas partes do discurso e outras categorias gramaticais gerais. O que não se questiona é o fato de que a posição privilegiada do latim frente às outras línguas vernáculas tenha sido um fator importante na evolução da gramática universal.
Com o passar do tempo, porém, o latim, apesar de continuar a ser o molde para todos os outros idiomas, deixa de ser o único. No séc. XIII, Alexandre Villedieu escreve uma das obras mais célebres da Idade Média sobre o latim Doctrinale puerorum. Trata-se de uma gramática do latim, voltada para aqueles que não tinham mais o latim como língua de berço, nem de comunicação generalizada, mas como a língua da escola (cf. ROBINS, 1983).
Com o renascença, os humanistas, que pensavam estar fazendo uma ruptura radical com a tradição escolástica da Idade Média, emergiram no cenário lingüístico. A língua dos escolásticos passou a ser caracterizada como “bárbara” e toma-se Cícero como modelo latino, sustentando a idéia de que a literatura da Antigüidade clássica era a fonte de todos os valores “civilizados”. Em vista disso, concentraram suas forças na reunião e na publicação de textos de autores clássicos. Essa publicação era possível graças à invenção da imprensa no final do séc. XV. Dado a isso, a gramática, mais uma vez, tornou-se uma ajuda para a compreensão da literatura e para a escrita do “bom” latim. Em 1513, o próprio Erasmo publicou uma sintaxe latina baseada em Donato. O grego também passou a ser objeto de intensos estudos, e mais tarde, o hebraico.
Até então permanecia a concepção clássica de “Língua” entendida como a língua da literatura ou como a própria literatura. Assim, quando a língua se tornou objeto de estudos acadêmicos nas escolas e universidades, continuou a ser analisada a obra dos “melhores autores” que escreviam nos gêneros tradicionais.
No séc. XVII, os ideais da gramática “especulativa” foram revistos na França por Arnauld e Lancelot, mestres de Port-Royal, que em 1660 publicaram a Grammaire Génerale et Raisonnée. A gramática tinha como objetivo “demonstrar que a estrutura da língua é um produto da razão, e que as diferentes línguas são apenas variedades de um sistema lógico e racional mais geral” (LYONS 1979, p. 17). Essa gramática diferencia-se da busca formalística do século XVI, propondo um conjunto de relações lógicas dispostas em níveis ou etapas sucessivas de análise, partindo da decomposição da frase até a palavra e a reconstrução efetuando o processo inverso. A doutrina dessa gramática, segundo Heckler e Back (1998), persistiu até o séc. XIX e deu origem à conhecida Gramática Normativa, estabelecendo normas do bem falar, com base no modelo latino.
Os movimentos lingüísticos do século XIX e do séc. XX tiveram início com a descoberta do sânscrito pelos estudiosos ocidentais, o que representou, segundo Lyons (1979), um dos principais fatores do desenvolvimento da Lingüística Comparativa no séc. XIX. Com a descoberta do Sânscrito, os estudiosos entraram em contato com a tradição gramatical hindu e nela reconheceram relações de parentesco genético com o latim, o grego, as línguas germânicas, eslavas e céticas. Assim, as realizações que marcaram os estudos lingüísticos do séc. XIX e que deram origem a Gramática Comparativa giravam em torno do estabelecimento dos princípios e métodos para a classificação das famílias lingüísticas e do desenvolvimento de uma teoria geral das transformações lingüísticas.
A principal preocupação da Lingüística Comparativa era de ordem diacrônica, pois queria saber como as línguas foram evoluindo com o passar do tempo. Os pioneiros da Lingüística histórico-comparativa, de acordo com Lyons (op.cit), foram: Rasmus Rask (1787-1832) e Jacob Grimm (1785-1863). O primeiro por ter mostrado, por meio de um trabalho sobre a origem do velho nórdico (1818), os pontos de contato entre as principais línguas indo-européias e as línguas nórdicas. E o segundo, por ter sido o primeiro a escrever uma gramática comparada das línguas germânicas: a Deutsche Grammatik (1819). Grimm também é considerado o pai das “leis fonéticas”, tanto que uma das principais leis que existe nessa área é a lei de Grimm.
Segundo Lyons (1979), a Lingüística Comparada é uma ciência explicativa, um ramo da Lingüística Geral, cujo objetivo é “explicar o fato evidente de que as línguas se transformam e que as diferentes línguas se apresentam em diferentes graus” (p. 33). Essas transformações são explicadas por meio de hipóteses continuamente sujeitas a revisões, devido à descoberta de novos fatos ou da adoção de um novo modo de conceber e de sistematizar estas mudanças.
No século XIX, observou-se que com base em mudanças atestadas ou postuladas na língua falada seria possível explicar as modificações das formas das locuções nos textos escritos e nas inscrições antigas em geral (cf. LYONS, 1979). Dado a isso, a partir da metade do século XIX, passou-se também a discutir a relação entre língua e dialeto. Essa discussão possibilitou a identificação de vários dialetos regionais, os quais longe de serem versões imperfeitas ou deformadas das línguas literárias padrão (como se pensava), evoluíram de modo mais ou menos independente. Segundo Lyons (1979), com esse estudo, identificou-se que as principais diferenças existentes entre língua e dialeto são políticas e culturais, ao invés de lingüísticas.
O principal responsável pelas mudanças de atitude ocorridas entre os séculos XIX e XX foi o lingüista suíço Ferdinand de Saussure, que abandona quase que totalmente os estudos de Lingüística Histórica, por acreditar que seria impossível provar a cientificidade da língua apenas pela diacronia, considerando seus fundamentos incertos, e por julgar necessário, assim, suspender as pesquisas até que ocorresse uma reformulação de conjunto da Lingüística.
Saussure (1997) toma para si a tentativa de efetuar tal reformulação. Ele propõe um estudo diferente a partir de um estado de língua, descreve o seu funcionamento sincrônico. O resultado desse trabalho é apresentado em três cursos professados em Genebra, entre 1906 e 1911, que são publicados três anos após sua morte, por alguns de seus alunos, sob o título de Cours de linguistique générale. Com isso, se até Saussure, a preocupação dos estudiosos estava centrada na gramática, como arte de bem falar e bem escrever, com ele a língua passa a ocupar um lugar de destaque entre os fatos da linguagem.
Do pondo de vista histórico, a contribuição lingüística de Saussure (1997) pode ser explicitada em quatro pontos: (1) separou a competência lingüística do falante dos fenômenos ou dados lingüísticos reais (enunciados), dando-lhes respectivamente os nomes de langue (língua) e parole (fala); (2) mostrou que o valor de cada elemento lingüístico define-se pela sua oposição com os demais; (3) definiu o signo como a associação entre significante – imagem acústica –, e um significado – conceito; e (4) formalizou e tornou explícitas duas dimensões ou perspectivas fundamentais e indispensáveis do estudo da linguagem: dimensão sincrônica e dimensão diacrônica.
O primeiro ponto, diz respeito à distinção feita por Saussure entre língua (langue) e fala (parole). Nessa distinção, langue representa um sistema abstrato, um fato social, geral, virtual, pois existe na coletividade sob forma duma soma de sinais depositados em cada cérebro, “mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se de algo que está em cada indivíduo, embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários” (SAUSSURE, 1997, p. 27). Já a segunda, a parole, ao contrário, é a realização concreta da língua pelo sujeito falante, sendo circunstancial e variável, ou seja, como afirma Saussure (1997) “é a soma do que as pessoas dizem e compreendem: as combinações individuais, independentes da vontade dos que falam; atos de fonação igualmente voluntários, necessários para a execução dessas combinações” (p. 27). Desta forma, por considerar a fala um ato individual de vontade e inteligência, e pela impossibilidade de “fotografar em todos os seus pormenores os atos da fala” (p. 23), o autor elege a língua como o objeto de estudo da Lingüística.
O segundo ponto faz referência ao valor atribuído por Saussure a cada elemento lingüístico, que para ele se define pela sua oposição com os demais, ou seja, “o valor de qualquer termo que seja está determinado por aquilo que o rodeia” (1997, p. 135). Desta forma, o valor das letras é entendido como sendo puramente negativo e diferencial, regido por um princípio paradoxal.
O terceiro ponto explicita a definição de signo apresentada por Saussure (1997), que seria a associação entre um significante – imagem acústica – e um significado – conceito. É importante observar, de acordo com o autor, que a imagem acústica não se confunde com o som, pois se trata de um conceito psíquico e não físico, ou seja, refere-se à imagem que se faz do som no cérebro.
Por último, o quarto ponto, apresenta a distinção feita por Saussure entre sincronia – que considera a língua tal como ela existe e funciona num dado ponto da linha temporal, por exemplo, o estado atual do sistema da língua - e diacronia – que focaliza as mudanças por que passa a língua no curso do tempo. Saussure, no entanto, considera incompatível a noção de sistema e de evolução, logo exclui a diacronia do domínio da Lingüística.
Assim, com os conceitos de língua, valor e sincronia, Saussure institui a base da Lingüística como ciência, fundamentando-se sobre o princípio estruturalista que considera cada língua como um sistema de relações e tem como único e verdadeiro objeto “a língua considerada em si mesma e por si mesma” (SAUSSURE, 1997, p. 271). Seus sucessores, porém, denominarão esta organização interna da língua de estrutura, que deu origem a um movimento chamado estruturalismo, o qual foi muito bem sucedido desde o início, pois além de servir a várias ciências, teve muitas formas no interior da própria Lingüística.
Uma dessas formas foi denominada funcionalismo, o qual tinha como objetivo considerar as funções desempenhadas pelos elementos lingüísticos, sob os aspectos: fônicos, gramaticais e semânticos. Sobre isso, Ducrot e Todorov destacam que “uma das inovações da lingüística de Saussure é declarar essencial para a língua seu papel de instrumento de comunicação, papel em que os comparatistas viam ao contrário uma causa de degenerescência” (1998, p. 35). Foi, justamente, esse ponto de partida que os funcionalistas consideraram o estudo de uma língua como a pesquisa das funções desempenhadas pelos elementos, classes e mecanismos nela intervenientes[1].
A tendência funcionalista surge particularmente no método de investigação dos fenômenos fônicos que, segundo Ducrot e Todorov (1998), foram definidos inicialmente, sob o nome de fonologia, por N.S. Trubetzkói, e desenvolvido principalmente por A. Martinet, R. Jakobson e a chamada Escola de Praga.
Outra forma de estruturalismo que, tem como seu principal representante L. Bloomfield, ficou conhecida no mundo todo como distribucionismo. A teoria distribucionista, mesmo tendo sido elaborada nos Estados Unidos tem muitos pontos em comum com a reflexão européia sobre a linguagem. Entre as diferenças, está o fato de Bloomfield tomar uma posição contrária às explicações de linguagem que fizessem recurso à “interioridade” do homem, propondo, assim, uma explicação comportamental (behaviorista) dos fatos lingüísticos, com base no esquema estímulo/resposta (cf. DUCROT e TODOROV, 1998).
Também tiveram uma forte influência no desenvolvimento da Lingüística Moderna os chamados círculos lingüísticos, os quais se constituíam de grupos que se reuniam para discutir a linguagem sob certas perspectivas, entre os principais citam-se: o Círculo Lingüístico de Moscou (CLM), que objetivou o estudo científico da língua e das leis da produção poética; o Círculo Lingüístico de Praga (CLP), que se desenvolveu notadamente no domínio da fonologia e da poética; o Círculo Lingüístico de Copenhague (CLC), que objetivou a elaboração de uma teoria lingüística universal, e produziu uma radicalização abstrata e logicista do pensamento de Saussure, e o Círculo Lingüístico de Viena (CLV), que se dedicou a analisar a linguagem com vistas à razão, ligando-se ao projeto da língua universal. É nesse ambiente teórico que o gerativismo de Noam Chomsky começa a aflorar.
Chomsky, inspirado no racionalismo e na tradição lógica dos estudos da linguagem, propõe uma teoria a que chama gramática e centra seu estudo na sintaxe, a qual segundo ele constitui um nível autônomo, central para a explicação da linguagem (cf. WEEDWOOD, 2002). Essa gramática, porém, não tem como finalidade ditar normas, mas dar conta de todas (e apenas) as frases gramaticais, isto é, todas as frases pertencentes à língua.
A gramática instituída por Chomsky é chamada de Gramática Gerativa, porque permite, a partir de um número limitado de regras, gerar um número infinito de seqüências, associando-lhes uma descrição. O que se faz a partir de um método dedutivo, o qual parte do que é abstrato, ou seja, de um axioma e um sistema de regras para chegar ao concreto, isto é, a frases existentes na língua. Visa com isso fazer com que a Lingüística ultrapasse o seu estágio de mera observação e classificação dos dados, para tornar-se explicativa e científica.
Nessa perspectiva chomskiana, o que interessa é essa capacidade que todo o falante (ouvinte) ideal tem, e não a performance, ou seja, o desempenho de falantes específicos em seus usos concretos[2]. Partindo desse pressuposto, Chomsky define a língua como um conjunto infinito de frases. Nesse caso, o termo “infinito”, atribui à definição de língua um caráter aberto, dinâmico e criativo, porém não se trata de qualquer criatividade, mas de uma criatividade governada por regras. Sob esse ponto de vista, a tarefa do lingüista é explicitar essa capacidade do falante, mostrando a sua gramática. De acordo com a teoria gerativista, uma língua é uma gramática, incluindo também o léxico. Neste caso, saber uma língua é saber uma gramática.
A partir da década de 60, um novo ramo da lingüística começa a desenvolver-se na Europa, e, de modo especial, na Alemanha, com o nome de Lingüística Textual (cf. FÁVERO E KOCH, 1988, p. 11). Até então, a lingüística moderna limitava-se à sentença, já que o paradigma gerativo transformacional dominante centrava-se nas estruturas fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas, que eram consideradas independentemente do contexto e do texto. Essa nova abordagem teórica, no entanto, somente na década de 80, passa a desempenhar uma importância significativa no ensino de línguas, em particular no Brasil, da LP.
A hipótese de trabalho da Lingüística Textual[3], segundo Fávero e Koch (1988, p. 11), consiste em tomar o texto como unidade básica, isto é, como objeto particular de investigação, e não mais a palavra ou a frase, já que os textos representam a forma específica de manifestação da linguagem.
Entre as principais causas que levaram os lingüistas a desenvolverem gramáticas textuais está o fato das gramáticas da frase apresentarem inúmeras lacunas no tratamento de fenômenos lingüísticos que só podem ser devidamente explicados em termos de texto ou com referência a um contexto situacional. Além disso, Dressler (1977, apud FÁVERO E KOCH, 1988) destaca que são poucos os problemas da gramática que não têm alguma relação com uma lingüística do texto e que as gramáticas da frase, excluem partes significativas de morfologia, fonologia e lexicologia.
Pode-se distinguir três momentos fundamentais na passagem da teoria da frase à teoria do texto, segundo Fávero e Koch (1988): o primeiro, da análise transfrástica, a qual procede à análise das regularidades que transcendem os limites do enunciado; o segundo, da construção das gramáticas textuais, e, o terceiro, da construção das teorias de texto, que se propõe a investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão textual. O texto, desta forma, não está dissociado de seu contexto de produção, recepção e interpretação.
A gramática textual difere-se da gramática estrutural e gerativo-transformacional, apesar destes modelos poderem, em princípio, formular fragmentos de gramáticas textuais. Essa diferença se define em termos do tipo de objeto que a Gramática Textual se propõe descrever, no caso, o texto ou o discurso e pelos problemas que constituem seu campo de estudo.

O percurso histórico da gramática permite que se entenda o “lugar” que essa tem ocupado no ensino de LP. Pela sua relevância, sabe-se que o estudo gramatical não deveria ser simplesmente excluído da sala de aula, mas trabalhado com vistas, ao desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos. Entretanto, como destaca Neves (2003), ao se falar em gramática é necessário especificar de que é que se está falando, pois é possível ir desde a idéia de gramática como “mecanismo geral que organiza as línguas” até a idéia de gramática como “disciplina”, e, neste último caso, é necessária uma incursão por múltiplas noções, uma vez que são múltiplos os tipos de “lições” que uma gramática da língua pode fornecer. Desta forma, procurar-se-á apresentar diferentes concepções de gramática relacionadas a perspectivas teóricas distintas.
Travaglia (1998) apresenta três concepções de gramática a partir do entendimento do que seria saber gramática e o que é ser gramatical. Para tanto, destaca os sentidos possíveis para essas expressões de acordo com a visão da Gramática Normativa, da Gramática Descritiva e da Gramática Internalizada, que estão ligadas às concepções de linguagem.
Uma concepção de linguagem como expressão do pensamento leva a conceber a gramática como um “manual com regras de bom uso da língua, as quais são seguidas por quem deseja se expressar adequadamente”. Segundo essa visão normativa, dizer que alguém sabe gramática é o mesmo que dizer “esse alguém conhece as normas e as domina tanto nocionalmente quanto operacionalmente” (TRAVAGLIA, 1998, p. 24). Assim, gramatical será aquilo que obedece, segue as normas de bom uso da língua, configurando o falar e o escrever bem.
Já uma concepção de linguagem como instrumento de comunicação tem embasado uma visão de Gramática Descritiva, segundo a qual, “uma descrição da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e função” (op. cit. p, 27), saber gramática, nessa perspectiva, significa ter a capacidade de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade. Dessa forma, gramatical será então “tudo o que atende às regras de funcionamento da língua de acordo com determinada variedade lingüística” (p. 27).
Por fim, uma concepção de linguagem como processo de interação, compreende-a como um lugar de interação humana e de constituição dos sujeitos, uma vez que é somente por ela que o homem se constitui como tal e pode interagir com o mundo[4] e considera a língua como “um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de acordo com o exigido pela situação de interação comunicativa” (p. 28). Nessa perspectiva, entende-se que o saber gramatical “não depende, em princípio de escolarização, ou de quaisquer processos de aprendizado sistemático, mas da ativação e amadurecimento progressivo (ou da construção progressiva), na própria atividade lingüística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus princípios e regras” (p. 28). Nessa concepção de gramática internalizada, gramatical significa as “regras que o falante de uma língua de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar” (p.28).
Além das concepções de gramática mencionadas, Travaglia (1998) destaca outros tipos de gramática que são definidas pelos seus objetos de estudo e por seus objetivos, tais como: Gramática Contrastiva ou Transferencial e a Geral, de caráter sincrônico, e a Gramática Universal, a Histórica e a Comparada, de caráter diacrônico.
Há ainda, de acordo com Travaglia (op.cit.), as gramáticas ligadas às questões de ensino, que têm como critério de proposição a explicitação da estrutura e do mecanismo de funcionamento da língua: a Gramática Implícita, a Gramática Explícita ou Teórica e a Gramática Reflexiva. A Gramática Implícita diz respeito à competência lingüística internalizada pelo falante; a Explícita ou Teórica é representada por todos os estudos lingüísticos que buscam por meio de uma atividade metalingüística sobre a língua explicitar sua estrutura, constituição e funcionamento; e a Gramática Reflexiva, representa as atividades de observação e reflexão sobre a língua que buscam detectar regras e princípios, fazendo um levantamento de suas unidades, ou seja, a constituição e funcionamento da língua.
Conhecer essas diferentes concepções de gramática é relevante, pois dependendo da(s) concepção(ões) adotada(s) pelo professor, esta(s) determinará(ão) os objetivos e os resultados do processo de ensino e de aprendizagem de LP. Ademais, o trabalho com as diferentes formas de focalizar a gramática não precisa ser estanque, pois essas podem ser ou não contempladas em um mesmo conteúdo, numa mesma série ou nível de ensino (EF e EM). O que irá determinar a utilização de um tipo ou outro de gramática relaciona-se: à forma como o professor concebe a linguagem e percebe a relação texto/gramática; aos objetivos norteadores do processo ensino e aprendizagem de LP; aos conteúdos que pretende trabalhar; às condições dos alunos; o tempo disponível e outros fatores que o professor julgar pertinente ao trabalho que está desenvolvendo.
[1]Ducrot e Todorov (1998, p. 35) em N.B destacam que “a consideração da função conduz à idéia de que o estudo de um estado de língua independente de qualquer ponderação histórica, pode ter valor explicativo e não apenas descritivo”.
[2] Na teoria chomskiana o que está em causa é o falante ideal, e não locutores reais do uso concreto da linguagem, isso conduz ao universalismo, ou seja, a tese do inatismo, a qual apresenta, de acordo com Luft (1985, p. 57) o seguinte pressuposto: “o ser humano nasce provido de uma gramática universal, de universais lingüísticos”. Luft também salienta o fato de, muitas vezes, a tese do inatismo ser mal interpretada, pois todos sabem que ninguém nasce com a gramática de uma língua determinada, mas uma estrutura genética, base para a apreensão das estruturas específicas de qualquer língua natural (op. cit. 1985, p. 57).
[3] Os principais autores que começaram a desenvolver trabalhos na área de Lingüística Textual, a partir da década de 60, foram: Heidolph, Hartung, Isenberg, Thümmel, Hartmann, Harweg, Petöf, Dressler, Van Dijk, Scmidt, Kummer, Wunderlich, dentre outros (apud Fávero e Koch, 1988). No entanto, a origem do termo lingüística textual pode ser encontrada em Cosériu (1955, apud Fávero e Koch, op.cit.), embora tenha sido empregado pela primeira vez, no sentido que é usado atualmente, por Weinrinch (1966, apud Fávero e Koch, op.cit).

[4] A esse respeito, destaca Travaglia que “o que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão-somente traduzir e exteriorizar um pensamento, ou transmitir informações a outrem, mas realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)” (1998, p. 23).

Este texto constitui parte da fundamentação teórica da minha Dissertação de Mestrado que teve como título "A influência das crenças de professores no processo ensino-aprendizagem de língua portuguesa" e vem ao encontro das discussões estabelecidas no TP2.

Um comentário:

  1. Por favor mande-me algo sobre jacob Grimm, F. von Schlegel e Rasmus Rask.

    canyndesax@yahoo.com.br

    ResponderExcluir