domingo, 20 de dezembro de 2009

“A VARIEDADE DO PORTUGUÊS ENSINADA NAS ESCOLAS CONSTITUI PARA MUITOS ALUNOS UM TIPO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA”

Luciane Sippert[1]
Essa afirmação, segundo Kaufmann (2000)[2], justifica-se pelo fato de que: (a) a maioria dos alunos nunca usa a variedade da Língua Portuguesa ensinada na sala de aula, fora da escola. Isso acontece também com o Francês, o Inglês e/ou Alemão; (b) o contato passivo com a variedade ensinada na escola é pequeno, pois os brasileiros não lêem muito, o que os afasta do contato com a variedade culta. E na televisão, com a qual tem um maior contato, assistem mais as telenovelas em que a fala utilizada não é culta, do que aos noticiários; (c) a diferença existente entre a gramática das variedades faladas pelos alunos e a variedade culta é bastante grande, podendo ser comparada, eqüitativamente à diferença gramatical existente entre o Espanhol e o Português; (d) os alunos não entendem o porquê da necessidade de aprender a variedade culta, visto que usando a variedade que dominam conseguem se comunicar perfeitamente em todas as atividades das quais participam e mesmo ser entendidos pelos falantes das variedades cultas. Sendo mais significativo para o aluno aprende uma língua estrangeira do que a variedade culta da sua língua; (e) o sucesso no ensino tanto de línguas estrangeiras quanto do Português padrão é baixo, considerando que depois de anos supostamente aprendendo o padrão ou uma língua estrangeira, quando há resultados, estes são insignificantes.
Se para os alunos a aprendizagem da variedade culta não é importante, para os adultos o não-domínio desta variedade prestigiosa constitui um terrível trauma. O que leva muitos buscar em livros a forma correta de utilizar a sua língua materna. Isso não é tão acentuado em países como a Alemanha - onde as diferenças entre a fala dos grupos de prestígio e dos sem prestígio são bem menores do que do que no Brasil – e a Grã-Bretanha – que apesar de apresentar grandes diferenças a esse respeito ainda não chega a apresentar as diferenças percebidas no Brasil.
Para Kaufmann (2000), este fato está relacionado à formação e valorização dos professores, bem como a origem da variedade padrão, que é bem diferente entre os países, pois o alemão e o inglês se originaram no próprio país, enquanto que a língua considerada culta no Brasil foi trazida de Portugal.
No Brasil, o fato de se dominar ou não o padrão desempenha um papel mais importante do que na Inglaterra e na Alemanha, onde aprender a língua padrão não é tão difícil quanto aqui. Isso faz com que no Brasil a questão lingüística sirva como um instrumento político de dominação, isto é, o Português padrão é um instrumento de exclusão. O que não significa que não saber usar a língua padrão seja a única forma de exclusão das classes dominadas, mas por enquanto tem sido um dos meios mais salientes.
A fala é algo que não se muda e abandona com facilidade, sendo difícil, portanto, mudar os hábitos lingüístico de uma pessoa, já que estes fazem com que ela se identifique com um determinado grupo social, sendo assim a linguagem é considerada um símbolo social, conforme Kaufmann. Tanto a língua padrão como as variedades dos grupos gozam de um determinado prestígio, sendo que na primeira o prestígio é aberto e na segunda é encoberto – mais difícil de ser detectado.
Neste caso, para que o aluno não sofra um grande dano psicológico na tentativa de mudar bruscamente o seu modo de fala, é preciso que os profissionais da língua entendam que lingüisticamente não há diferença entre uma variedade padrão e uma variedade não-padrão. Todas as distinções qualitativas feitas em relação às variedades de qualquer língua são avaliações sociais sem qualquer fundamento lingüístico.
Como linguisticamente não existem variedades bonitas ou feias, também não existem línguas mais lógicas ou menos lógicas, pelo fato de que todas as línguas, nos domínios que são utilizadas, funcionam perfeitamente, podendo seu uso ser considerado, adequado ou inadequado, a uma determinada situação. Isso porque o uso de uma língua ou uma variedade lingüística para uma função específica é o resultado de fatores sócio-históricos e não de fatos lingüísticos, pois gramaticamente a complexidade de todas as línguas humanas e de suas variedades é comparável.
Professores que criticam a fala dos seus alunos – dizendo que a mesma é errada, feia e que não tem lógica - poderão desencadear duas reações distintas: por um lado se o aluno aceitar o que o professor diz, irá afastar-se de sua família e do seu grupo social, porque foram eles que lhe ensinaram essa forma errada; por outro lado se continuar acreditando naquilo que aprendeu da sua família e dos seus amigos – que talvez seja a reação mais freqüente – não confiará mais no que o seu professor diz.
O professor que tratar o aluno dessa forma discriminando sua maneira de falar – não conseguirá que ele fale na sala de aula. Pelo contrário, fará com que se cale para sempre, porque, mesmo que o aluno não confie no seu professor este representa o poder legítimo, o qual é reforçado em casa pelos pais que certamente sofreram o mesmo tratamento, senão pior.
Isso fará com que o aluno desenvolva uma insegurança lingüística na sua única variedade em vez de ter a oportunidade de aprender mais de uma variedade. E como todo mundo só aponta suas supostas “deficiências lingüísticas” sem prestar atenção ao que este aluno diz, ele próprio acabará não prestando atenção ao conteúdo de suas contribuições orais.
Pelo exposto, acredita-se que não é o aluno que deve mudar e sim o professor, a escola e a sociedade é que deveriam repensar o seu papel na formação dos jovens brasileiros. Neste caso, segundo Guedes (apud KAUFMANN, 2000, p. 78), caberia ao professor o esforço de entender o sentido e o valor dos recursos expressivos que compõem o dialeto que o aluno fala, estabelecendo um contraponto entre as diferenças que distinguem o seu dialeto, o dialeto em que se expressa o professor e o dialeto em que se escreve.
Desta forma, o método mais indicado para as escolas brasileiras seria um bidiatetalismo, o qual valorizasse tanto a variedade dos alunos quanto a variedade culta. Não se trata de substituir uma variedade pela outra, mas buscar promover entre ambas um diálogo que enriqueça a expressão do conhecimento necessário para ampliar competência lingüística e comunicativa do aluno.

[1] Graduada em Letras, Especialista em ensino-aprendizagem de Línguas e Mestre em Educação nas Ciências. Professora de Língua Portuguesa do Estado do Rio Grande do Sul e Tutora Externa da UNIASSELVI, Centro Universitário Leonardo da Vinci.
[2] KAUFMANN, Göz. A Variação Lingüística e a Escola – A Variação lingüística na Escola. In: Hammes W. & CASTRO, R. Transformando a Sala de Aula, Transformando o Mundo. Pelotas : Educat, 2000.
Texto Publicado no Jornal “Novo Noroeste”, sexta-feira, 20 de novembro de 2009.

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